Peleja e conquista! É o que foi a homologação da Lei 12.711 pela Presidenta Dilma este ano. Tal aparato legal dispõe sobre o sistema de cotas que contempla o ingresso de alunos originados de escolas públicas, das camadas populares e discentes negros, pardos e indígenas em universidades federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio.
No processo da escravidão oficial brasileira que perdurou do século XVI ao final do XIX, além do impedimento da liberdade e reconhecimento social enquanto sujeito político, negou-se a nós negros, principalmente, terra e educação. O Estado brasileiro, por meio da Lei 1, de 4 de janeiro de 1837 em seu artigo 3°, estabelecia que eram proibidos de frequentar as escolas públicas “todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas”, e todos “os escravos, e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos”. Além da apartação das condições materiais de existência, negou-se ao negro o acesso ao saber escolar, não por uma simples negligência, mas pela razão de que a educação é um dos instrumentos de libertação e de mobilidade social. E a abolição da escravidão no Brasil, que fez jus a igualdade formal, veio acompanhada de uma estrutura econômica e social que desmantelou qualquer intento de uma igualdade substanciada e concreta. Assim, os negros foram incluídos de forma excludente.
Se durante o período perverso e genocida da escravidão brasileira, a resistência negra era intensa e importunava os grilhões, após o período de uma pseudo liberdade, os enfretamentos e as reivindicações políticas por direitos universais e básicos da humanidade continuavam a ser um horizonte a ser seguido. A luta dos negros e das camadas populares em prol da educação no Brasil, é antiga, vide a reivindicação em 1940 do Teatro Experimental do Negro, junto ao Estado Brasileiro, pelo direito ao ensino universal e gratuito, e a “admissão subvencionada de estudantes negros nas instituições de ensino […] universitário”. Portanto, ao contrário do pensamento reacionário, as cotas no Brasil não são uma concessão ideológica do Estado ou uma jogatina partidária, mas sim uma conquista política originada das labutas do movimento social negro brasileiro que sempre resistiu ao cerceamento humano e lutou por direitos, como também é o reconhecimento do Estado brasileiro para com os grupos que foram historicamente massacrados, inferiorizados e excluídos dos bens materiais e simbólicos
As cotas étnico-raciais, como uma política de reconhecimento, que lida diretamente com um mecanismo específico de desigualdade, o racismo, têm dimensões relevantes para a sociedade brasileira. As cotas trarão para a universidade estudantes de diferentes origens, com seus saberes e corpos, marcando a diversidade. Elas repararão e compensarão os grupos étnicos historicamente discriminados. Haverá uma inclusão social dos negros, pobres e índios que na atualidade ainda continuam excluídos dos bancos acadêmicos. As cotas ainda resgatarão sujeitos talentosos e inventivos que serão espelhos para suas gerações. Então, a implementação das cotas étnico-raciais nas universidades brasileiras é um instrumento legítimo de luta pela educação, considerando-a como direito social dos grupos historicamente apartados de princípios constituidores da emancipação social, cidadania, direitos humanos e da diferença.
Artigo publicado inicialmente no jornal capixaba A Tribuna na página 26 da Seção “Tribuna Livre”, em 06/10/2012.
Professor do Ensino Superior. Doutorando em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFES.